Inspiração no cotidiano e essência/alma do personagem revelam o zelador protagonista de Prata da Casa. Espetáculo estreia dia 3 de setembro no Espaço Cênico Ademar Guerra do Centro Cultural São Paulo (porão). Entrada gratuita.
Com direção e Victor Mendes e idealização e interpretação de Felipe Frazão, Prata da Casa traz para o palco a figura de Tatá, um zelador-porteiro que é pura vida e tem uma forte ligação com o samba. O espetáculo, que estreia no dia 3 de setembro, quinta, no Centro Cultural São Paulo, no Espaço Cênico Ademar Guerra, convida o público à reflexão sobre as belezas e desafios do cotidiano. O ponto de partida para o monólogo foi a ideia de Felipe Frazão de explorar a humanidade por trás de figuras comuns – e muitas vezes invisíveis – como a de um porteiro, fugindo do clichê do herói. O personagem nasceu em uma residência artística e sua paixão pelo samba encontrou eco imediato em Victor Mendes, que já tem uma longa e bem-sucedida trajetória com esse universo. “A gente buscou não romantizar a profissão, mas ao mesmo tempo ser um zelador que está de bem com a vida, que não se depara com problemas diariamente. Tatá está lá, vivendo a vida dele, está tudo bem para ele. Tatá gosta de sua função, tem orgulho de seguir os passos do pai”, explica o diretor. Esta construção orgânica de Tatá é fruto de observação real do dia a dia de um zelador e da busca por retratar a dignidade e a alegria nas pequenas coisas.
A dramaturgia e a direção maduras de Victor Mendes e a força do samba
Victor Mendes, além de diretor, assina a dramaturgia de Prata da Casa, um trabalho que ele encara como um marco em sua carreira. “Esta direção está sendo especial porque eu acho que eu me encontro mais maduro atualmente”, revela o artista. Conhecido por parcerias de sucesso com nomes como Gero Camilo e Carla Candiotto, e vencedor do prêmio APCA de Melhor Espetáculo Adaptado por A História Sem Fim (ao lado de Candiotto), Victor traz para a peça um olhar apurado para a poesia do cotidiano. A direção é pautada pelo diálogo constante com o ator Felipe Frazão, buscando a essência do espetáculo. Victor busca uma “simplicidade tanto de atuação quanto de acabamento” para criar uma identificação real com os conflitos do zelador.
A abordagem do diretor sobre o samba é singular. Mendes esclarece que em Prata da Casa o samba não é apenas um tema, mas um lugar de pertencimento. “O personagem da peça ‘nasceu’ na escola de samba. Ele reconhece os gestos, as gírias, os rostos daquele lugar.” Victor descreve o universo da portaria e da escola de samba que Tatá frequenta desde a infância, costurando de forma delicada e dolorosa os contratempos do trabalho com a profunda relação do protagonista com seu pai. Suas próprias experiências, tanto no espetáculo Razão Social quanto como frequentador e MC no Samba da Vela, foram cruciais para a escrita do texto. “Foi precioso o contato com sambistas de verdade, com pessoas que, além de tocar seus instrumentos, escolheram o samba como modo de agir no mundo, de pensar a vida. No Samba da Vela, com dezenas de trabalhadores de outras áreas que na noite de segunda feira vão cantar seus sambas em comunidade. Isso foi o melhor material para escrever o personagem de Prata da Casa “, afirma.
A peça também dialoga com o tema do desemprego tecnológico, um recorte diferente de seu trabalho anterior, Razão Social. Para Victor, a obra valoriza o trabalhador e a tradição, ressaltando a importância da herança de conhecimentos. “Nosso protagonista aprendeu fazendo no dia-a-dia. Isso é parte de uma tradição que tentam acabar.” O diretor buscou criar um personagem carismático para gerar uma conexão imediata com o público. “Construímos Tatá com fortes pontos de identificação para que o espectador possa se envolver com sua história e torcer por ele, mesmo que isso soe clichê”, diz Victor, expressando o desejo de levar ao palco uma peça que “comunique com pessoas de diferentes classes”.
Entre o épico e o dramático. A poesia da resistência: o símbolo do violão atingido
Um dos símbolos mais potentes e tocantes da peça é a imagem de um violão cenográfico furado por balas. Esta metáfora, que transcende uma experiência pessoal do ator Felipe Frazão com a perda de um instrumento, foi expandida e inspirada em trágicas histórias reais. “A gente trouxe essa história do assassinato [no violão], aí a gente foi decifrando esse universo”, explica Victor Mendes. O violão baleado se transforma em um poderoso símbolo do luto e da resistência na narrativa do zelador, permitindo que a peça transite livremente entre o épico e o dramático, explorando diversas camadas emocionais.
A atuação de Felipe Frazão: corpo, voz e samba no palco
O ator Felipe Frazão se entrega de corpo e alma ao zelador Tatá em seu primeiro trabalho solo, um desafio que ele abraça com intensidade. A performance exige um treino detalhado, onde Felipe não apenas canta e toca violão, mas também “desenha” todo o cenário da portaria imaginária com seus gestos – desde regar plantas até abrir gavetas e checar correspondências. Frazão revela a profundidade de sua conexão com o projeto: “A experiência é ótima! Ao longo da minha trajetória não tive tantas oportunidades de dar vida não só a um personagem como a um projeto meu. No caso do Prata da Casa, a gente parte de um interesse pessoal por esses temas do samba e do luto. Então, é tudo muito especial. Eu tive uma infância regada de samba, ouvíamos muito samba lá em casa, meu padrasto sabia tudo e me ensinou muita coisa.” Felipe descreve a experiência como “um lindo processo de redescobertas e reencontro comigo mesmo”.
A construção de Tatá como um personagem otimista e orgulhoso de sua função foi uma escolha consciente. “Eu e o Victor queríamos fazer uma peça sobre uma figura que olha para a vida de um jeito esperançoso. Ele não se omite, percebe todas as camadas que o circundam, as relações, tudo. Mas escolhe ascender diante de qualquer revés”, conta Felipe. “Eu convivi com muitas figuras na minha vida que me lembram o Tatá. Muita gente que diante de tanta tormenta escolhe quase sempre o caminho da leveza.” Sobre o desafio do monólogo, Felipe não hesita: “Todos os desafios do mundo! [risos] Todos os dias do processo me questionei sobre isso. Como dar a volta na saudade que eu sinto da contracena? O desafio é grande mesmo, porque a bola está contigo e você não tem para quem passar. Não tem um olhar para se apoiar, todas as decisões são suas. É sem sombra de dúvidas o maior desafio da minha vida até aqui.” Contudo, ele transformou isso em oportunidade: “Só que eu escolhi olhar para isso como uma oportunidade de treinamento intensivo. Pensei que, ultrapassando esse fantasma, me sentiria pronto para tudo.”
Uma das maiores descobertas, para Felipe, foi a constatação de que no teatro a solidão não existe: “Percebi que no teatro não tem como você se sentir sozinho. Porque é o encontro o cerne de tudo o que fazemos. Então, se não tenho um encontro físico em cena, eu me ancoro no público, nas pessoas da minha equipe e em todas as outras que projeto nas palavras que falo, no meu canto, e no meu corpo.” Frazão destaca, ainda, a busca pela simplicidade que o atraiu ao teatro: “Eu estava muito a fim de fazer uma peça que me lembrasse as que vi quando me apaixonei pelo teatro e quis fazer isso da minha vida. Eram narrativas clássicas e populares, de ampla identificação, acerca de assuntos cotidianos e comuns. A gente cavoucou muito essa simplicidade das coisas, não só desse personagem, como das nossas escolhas para a peça também. Não tem ninguém inventando a roda. A gente só fez a roda do nosso jeito.”
Cenário minimalista, preparação corporal de elite e trilha sonora original
O ambiente de Prata da Casa é cuidadosamente minimalista, com poucos elementos em cena. Essa simplicidade cenográfica serve para realçar o trabalho corporal minucioso de Felipe Frazão. Victor Mendes pontua: “A gente enxerga tudo, né? Felipe desenha todo o cenário, regando as plantas, abrindo a gavetinha, checando a correspondência”. Para refinar a expressividade e a biografia do personagem, a equipe contou com a consultoria de Fabrício Licursi para consciência corporal e, em um auxílio luxuoso, com a expertise de Claudinho da Beija-Flor. Victor destaca Claudinho como “a figura do carnaval mais premiada” e “o maior mestre-sala do Brasil”. Essa preparação com o mestre-sala mais premiado da história do Carnaval adicionou um “gingado” autêntico e uma dimensão especial à performance de Felipe, criando um monólogo rico em interações com personagens invisíveis. Prata da Casa ganha ainda mais força com a direção musical e os sambas originais do mestre Alfredo Del Penho. Reconhecido por seu trabalho com o premiado coletivo Barca dos Corações Partidos e por atuar como jurado do Carnaval do Rio há quase uma década, Alfredo assina as composições inéditas que pontuam a narrativa.
Sinopse
Prata da Casa conta a história de Tatá, um zelador de um antigo edifício que enfrenta uma grande transformação. A chegada das câmeras e da tecnologia de reconhecimento facial ameaçam seu emprego, sua moradia e a forte ligação com a escola de samba que faz parte de sua vida desde a infância. Além de herdar o emprego do pai, Tatá também herda sua paixão pelo samba, que o guia pelos desafios.
Ficha Técnica
Direção e Dramaturgia: Victor Mendes. Idealização e Interpretação: Felipe Frazão. Direção Musical: Alfredo Del Penho. Direção de Movimento: Fabricio Licursi. Cenografia e Desenho de Luz: Marisa Bentivegna. Figurino: Miltinho e Ernesto Paixão. Direção de Produção: Flavia Primo e Rafael Lydio. Coordenação Geral: Frazão Produções Artísticas. Assessoria de Imprensa – Arteplural – M Fernanda Teixeira / Macida Joachim / Mauricio Barreira
Serviço
Prata da Casa
Estreia: Dia 3 de setembro, quinta, às 20h. Temporada: De 3 a 14 de setembro, de quarta a domingo. Sessões: Quartas, quintas e sextas, às 20h |Sábados, sessão dupla às 18h e às 20h | Domingos, às 19h. Duração: 75 minutos. Centro Cultural São Paulo | Espaço Cênico Ademar Guerra (porão). Rua Vergueiro, 1000, Liberdade, São Paulo – SP, 01504-000, Brasil. Capacidade: 200 lugares. Classificação: 12 anos. Entrada gratuita. Classificação: 12 anos.